(…) a controvérsia no valor a ser considerado para fins de verificação do direito à isenção do imposto de transmissão causa mortis e doações (ITCMD), previsto no art. 6º, I, a, da Lei Estadual n. 10.705/00, que assim dispõe:
Artigo 6º – Fica isenta do imposto:I – a transmissão “causa mortis”:a) de imóvel de residência, urbano ou rural, cujo valor não ultrapassar 5.000 (cinco mil) Unidades Fiscais do Estado de São Paulo – UFESPs e os familiares beneficiados nele residam e não tenham outro imóvel;
A Herdeira entende que deve ser considerado tão somente o valor correspondente à fração do imóvel que efetivamente foi a ela transmitida (50%), que representaria importância não superior a 5.000 UFESPs, fazendo jus à isenção do imposto.
Já o Fazenda Pública de São Paulo defende a tese de que não caberia interpretação extensiva do dispositivo legal, motivo pelo qual o valor a ser considerado deve ser o total do imóvel.
Sem razão, contudo.
O Código Tributário Nacional estabelece em seu art. 38 que a base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens e direitos transmitidos.
Já o art. 9º da Lei Estadual n. 10.705/00 dispõe que a base de cálculo do imposto é o valor venal do bem ou direito transmitido, expresso em moeda nacional ou em UFESPs (Unidades Fiscais do Estado de São Paulo).
Dessa forma, a base de cálculo do imposto, inclusive para fins de isenção, é o valor do efetivo acréscimo patrimonial, que, in casu, correspondente tão somente à fração de 50% do imóvel em questão.
E nem se venha argumentar com a norma do artigo 111, II, do Código Tributário Nacional, dizendo que se está procedendo a uma interpretação extensiva. Primeiramente, registre-se que não existe interpretação literal da lei, como demonstra a moderna Teoria Geral do Direito, na base da Filosofia da Linguagem, havendo de se acrescentar que até mesmo para concluir que uma disposição legal é clara, o intérprete há de submetê-la a um exame crítico. Por isto, ultrapassado há muito o brocardo in claris cessat interpretatio (a propósito, é rica a bibliografia, podendo-se citar, dentre outras obras, o livro de Luiz Alberto Warat, Mitos e teorias na interpretação da lei, Porto Alegre, Ed. Síntese, 1979). De mais a mais, toda a questão gira em torno, a rigor, da inexistência mesma do fato gerador no que concerne à parte do imóvel que já cabia ao autor da presente ação, tudo como assinalado parágrafos atrás (Apelação n. 1015402-61.2016.8.26.0320, Relator Desembargador Luiz Sergio Fernandes de Souza, 7ª Câmara de Direito Público, j. 08/02/2019).
Conforme já decidiu o E. Supremo Tribunal Federal, os impostos incidem sobre signos presuntivos de riqueza. O universo tributável deve corresponder à uma mensuração da riqueza auferida. Tributar fato
alheio à riqueza, a título de imposto, importa em confisco.
Se a base de cálculo não corresponde ao acréscimo no universo patrimonial daquele que figura como contribuinte, a conclusão é
óbvia: a base de cálculo não se coaduna com a hipótese de incidência.
Ao vedar as deduções, a lei estadual impede a tributação sobre a transmissão do patrimônio líquido (quantum efetivamente transmitido) e assim deforma a regra matriz de incidência. Não foi por outro motivo que esta Corte já se posicionou no sentido de que a base de cálculo é o montante líquido da herança (AI n. 733.976 AgR/RS, Relator Eminente
Ministro Dias Toffoli, Primeira Turma, j. 11/12/2012).
Não havendo controvérsia quanto ao preenchimento dos
demais requisitos (residência no imóvel e inexistência de propriedade de
outro imóvel), a concessão da ordem era mesmo de rigor.
Neste sentido já decidiram todas as C. Câmaras de Direito Público deste E. Tribunal:
RECURSO DE APELAÇÃO ITCMD Pedido de isenção do tributo nos termos do art. 6º, I, a, da Lei nº 10.705/00, o qual estabelece a isenção do tributo na transmissão causa mortis de imóvel que não supere o valor de 5.000 UFESPs Valor a ser verificado, para fins de isenção, que deve representar a fração do imóvel que efetivamente foi transmitida aos herdeiros Impetrantes que, nos termos legais, fazem jus à isenção Sentença reformada – Recurso provido. (Apelação n. 1017089- 93.2019.8.26.0053, Relator Desembargador Marcos Pimentel Tamassia, 1ª Câmara de Direito Público, j. 13/08/2019)
MANDADO DE SEGURANÇA. Isenção tributária. Possibilidade. Art. 6.º, inciso I, alínea “a”, da Lei n.º 10.705/2000. Em se tratando de ITCMD incidente na transmissão “causa mortis”, a tributação deverá ocorrer sobre o direito a ser acrescido no patrimônio do herdeiro. Sentença mantida. Remessa necessária e recurso conhecidos e não providos. (Apelação n.
1002692-76.2018.8.26.0081, Relatora Desembargadora Vera Angrisani, 2ª Câmara de Direito Público, j. 11/03/2019)
À vista do exposto, NEGA-SE PROVIMENTO ao recurso voluntário e à remessa necessária da Fazenda Pública.
Fonte – TJSP – Processo nº 1000705-36.2019.8.26.0609